Ele chegou a Roma, para o conclave,
levando consigo o cheiro do povo latino-americano, as dores e esperanças
dos humildes e sofredores, o anseio de quem sonha com uma Igreja
simples e profética. Não constava na lista dos ‘papáveis’ e nem nas
bolsas de apostas. Não estava entre os ‘favoritos’. (Os que apostam não
contavam com o Espírito Santo).
Em um conclave rápido, a surpresa: o
novo papa vem do “fim do mundo” (expressão do próprio). Mas isso era só o
começo das surpresas. Muito boas, diga-se de passagem. Em primeiro
lugar, o nome. Francisco não é um nome, dizia alguém. É um projeto de
vida.
Não quis receber o cumprimento dos
cardeais no ‘trono’ do papa. Preferiu ficar de pé. “Somos todos irmãos”!
Quando teve de sentar no trono quase caiu. Como a dizer: isso não é pra
mim!
Os sapatos pretos com cadarços – que
havia recebido de presente antes de viajar, em vez dos vermelhos, caros.
A recusa das mitras pontifícias. A maneira como se apresentou aos fiéis
que lotavam a praça: batina branca simples, sem a mozeta (capa
vermelha) sobre os ombros, sem estola bordada, a cruz de ferro… Não
surgiu como alguém que acabara de ser eleito para um dos ‘cargos’ mais
importantes do mundo. Com olhar grave e sereno expressou a seriedade e a
grandeza do ministério que estava para assumir. Depois, o gesto
elegante e evangélico de se inclinar e pedir a bênção, a oração do povo.
Em vez do latim, a saudação na língua local: “buona sera”; e a oração
na mesma língua. Apresenta-se como bispo de Roma, não como papa, como
sumo pontífice.
No dia seguinte, dispensa o carro
oficial do Vaticano, limusine, e toma um carro sedã normal, sem a placa
oficial do Vaticano, para ir à igreja Santa Maria Maior. Saindo de lá,
buscou as malas na pensão sacerdotal e pagou a própria conta. Depois,
dispensou mais uma vez o carro oficial para ir de ônibus com os irmãos
cardeais. No refeitório, sentou-se na primeira cadeira vaga que
encontrou.
Pelo menos por enquanto, recusou o
apartamento papal. Decidiu ficar na residência Santa Marta, pois prefere
“estar perto de outros membros do clero”.
Dirigiu-se para a Basílica de São Pedro
em um Jipe mais simples, em vez do carro blindado, beijou crianças,
desceu do carro para abraçar um deficiente físico.
Na Quinta-feira Santa celebrou no
“Instituto Penal para Menores Casal del Marmo”, onde lavou e beijou os
pés de 12 jovens infratores. Segundo o porta-voz, padre Federico
Lombardi, “Francisco abraçou e beijou todos os detentos do instituto”.
Como sabemos, o gesto de lavar os pés não é algo teatral, mas sinal de
compromisso e desejo de servir. Estava expressando em atitudes o que
falara pouco antes na Missa do Crisma: a unção com o óleo perfumado do
Crisma “não é para nos perfumar a nós mesmos, e menos ainda para que a
conservemos num frasco, pois o óleo tornar-se-ia rançoso… e o coração
amargo”. A unção é para perfumar os outros e o ambiente. A Igreja
precisa de “pastores com o ‘cheiro das ovelhas’ (…); pastores no meio do
seu rebanho”.
Naturalmente, todo esse jeito (novo e
tão antigo) de ser Pastor assusta muita gente. Incomoda. Toca na ferida.
Quem dá mais valor aos ‘paninhos’ e ‘penduricalhos’ da igreja que à
pessoa e à vida; quem defende uma igreja triunfalista, quem encara as
funções e ministérios como poder; quem tem dificuldade para viver a
pobreza e a transparência, certamente não irá gostar nada de tudo isso.
Mas o recado de Francisco é muito claro. É preciso voltar às fontes. Uma
Igreja pobre, “sem palácios, sem servidões, sem consumismo, sem
carreirismo”, como diz Marco Politi, mas profética e comprometida com os
excluídos e as vítimas da sociedade consumista e materialista.
Não se trata de ver em Francisco um
homem perfeito, um papa sem defeitos, e nem é hora de canonizar ninguém.
Contudo, se é verdade que “um gesto vale mais que mil palavras”, nosso
novo Pastor já escreveu uma grande Encíclica, quase uma Enciclopédia.
Resta a nós, membros da Igreja e da Sociedade, ter olhos e coração bem
abertos para saber ler e assimilar o seu recado.
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